e mais beijing

No último dia em Beijing acordámos preguiçosamente mas ainda assim bastante cedo e já fazia calor. Ligámos o ar condicionado e deixámo-nos dormitar para aproveitar a cama, enorme e dura como nós gostamos, e de que não disporíamos nas próximas duas semanas. Mas havia muito que ver e fazer por isso durou pouco.
Saímos, numa volta desnecessariamente grande, para ir buscar os bilhetes de comboio ao CITS (China International Travel Service), uma alternativa realmente prática e inteligível, online e por email, para quem não quer viajar nos pacotes das agências ocidentais. Também é possível, e bem mais barato, comprar os bilhetes na estação mas é preciso ter disponibilidade para esperar uma semana ou duas até que haja vaga. Para nós parece inconcebível ter esse tempo indeterminado de férias mas apercebemo-nos que é significativa a quantidade de gente que anda por esse mundo fora assim. Descobrimos também que há uma classe no comboio da qual não vendem bilhetes a estrangeiros, mesmo que peçam os mais baratos de todos.
No regresso ao hostel, para deixar os bilhetes em segurança e telefonar para o aeroporto a confirmar se tinha chegado a nossa bagagem, o E. encontrou o gadget que queria levar de souvenir. Praticámos as nossas capacidades de negociação mesmo sendo uma loja com preços bem marcados em etiquetas. Veio por cerca de 35% do preço mas rigorosamente apenas o que o E. estava disposto a gastar. Logo depois confirmaram-nos que a nossa bagagem nos aguardava no aeroporto. Uma alegria facilmente ultrapassada quando o rapaz do hostel ajudou a mudar a língua do aparelho, cujo nome começa por i e acaba como telefone, para inglês. Boys with toys…
Fomos então ao aeroporto, para recuperar as nossas mochilas ao fim de 4 dias. Apesar de tudo o friozinho na barriga não foi só entusiasmo. Relembrámos, vindos do fundo da memória, todos os filmes com prisões em países asiáticos, e também o facto de a China ainda aplicar pena de morte por tráfico de droga. Fazer passar pela alfândega 20 quilos, que percorreram meio mundo sem sabermos como, foi uma emoção que de bom grado teríamos dispensado. Mas quando vi o E. passar as portas de vidro dei-lhe beijinhos, a ele mas também à minha mochila. Voltámos novamente de comboio e metro, nesse dia com bastante mais utilizadores e a requerer passos especiais para entrar e sair mas ainda assim nada que nunca tenha apanhado em hora de ponta também em Lisboa. Deixámos as mochilas no hostel e saímos ainda antes do almoço para vaguear mais um pouco e visitar a Cidade Proibida. Quando demos por nós estávamos a almoçar no KFC! O quê!? Fizemos meio mundo para vir almoçar ao KFC!? Pareceu-me um disparate mas acabei por perceber a atitude de bom-senso do E. depois de arrefecer os meus ânimos no único ar condicionado decente da zona. Eu tinha acabado de mandar um carro passar-me por cima porque apesar de estar numa passadeira, estar verde para os peões, e eu já estar a correr, ainda me apitava freneticamente. De toda a aventura da viagem, atravessar as ruas na China foi o mais perigoso que fizemos.
Visitámos a Cidade Proibida sob um sol e calor inclementes. Ouvimos falar em 45º mas pelo menos não apanhámos filas nem esperas. Foi aqui que dei por mim à procura de outros turistas. Até agora tínhamos evitado atracções turísticas, tínhamos andado de metro onde nitidamente éramos os tipos diferentes para os quais os putos ficavam a olhar. Aqui esperava encontrar as hordas das excursões ocidentais mas nada. Dos milhares de visitantes arriscaria que 98% eram mesmo chineses. Terei avistado apenas dois rostos não asiáticos. A visita foi bastante abreviada por causa do calor mas ainda assim deu para sentir a monumentalidade e magnificência do conjunto. É realmente impressionante e bonito mas caso se interroguem como é possível que edifícios de madeira tenham sobrevivido a séculos de uso nem sempre pacífico fiquem sabendo que, para além das cíclicas operações de conservação, em recentes anos o conjunto foi submetido a um amplo restauro, feito como só os chineses sabem fazer.
Voltámos ao quarto do hostel e ao ar condicionado. Precisávamos recuperar forças para enfrentar o Silk Market. Só saímos ao fim da tarde quando o sol já declinava e sem qualquer tipo de dificuldade encontrámos a saída do metro que nos posiciona já dentro do mercado. Na verdade é um edifício de 5 ou 6 pisos com corredores de lojas e, aqui sim, encontrámos os turistas descarregados pelos autocarros estacionados à porta. À conta deles os preços que pedem são exorbitantes. Quer dizer, tendo em conta o preço das marcas originais dos produtos são apenas uma fracção, mas ainda assim muito acima do seu real valor. Tudo a precisar de negociação mas estou certa que ainda assim fazem bons negócios. Os vendedores, claro, a julgar pelo YOU WILL GO MAD! que uma americana me lançou quando viu o meu queixo descair quando entrei no corredor das malas. Tentámos fazer uma volta de reconhecimento antes de comprar alguma coisa mas é praticamente impossível. Mal vislumbram o mínimo interesse, e basta um olhar de mais de 3 segundos, já nos passam a calculadora gigante para as mãos. Aqui toda a gente fala inglês, e espanhol se preferirem, mas para não haver dúvidas há que escrever os números. Foi nessa altura que concordámos que tínhamos de voltar à China outra vez, com mais tempo. Corredores e corredores de souvenirs, tapetes, tecidos (com que fazem fatos à medida se puderem voltar em 2 ou 3dias), falsas antiguidades e falsificações de tudo o que possa ser falsificado. Ficámos malucos e dotados de uma incrível técnica de negociação. Trouxe a minha malinha por 280 yuan contra os 1800 que me pediram inicialmente e demos por nós a discutir valores que significavam para nós apenas cêntimos de euros. Indescritível! Já nos perguntavam porque é que só tínhamos ido lá no fim das férias quando já tínhamos pouco dinheiro, mas também nos disseram para não ter medo de fazer uma oferta porque se eles pudessem vender por esse preço vendiam, se não podíamos ir embora sem problema nenhum. Foi assim que saquei a mala. Só nos contivemos porque afinal de contas estávamos apenas a começar a viagem e teríamos de carregar todo o peso extra.
Voltámos ao hostel delirantes mas ainda assim exaustos por isso resolvemos jantar por lá. Uma bela pratada de massa (que tive de explicar bem que queria sem bacon porque não entendem a ideia de “sem-carne”) para nos refazermos e prepararmos para a viagem de comboio no dia seguinte. O belo repasto foi bem mais caro que o do dia anterior, tal como foi o do KFC, mas tudo o que é ocidental, ou tem conforto ocidental, ou sabor, ou marca ocidental, tem preço ocidental, ou seja é estupidamente mais caro mas ainda assim só custa o mesmo que custaria em Portugal.
Não tivemos que lavar a roupa porque já tínhamos as mochilas. Estranhámos. Fomos dormir porque tínhamos de apanhar o comboio bem cedo no dia seguinte.
Perdidos nas vielas onde a operação cara-lavada para turistas já não é evidente.
Apesar de tudo, já há um incipiente sistema de recolha de lixo e o facto de o plástico ser avidamente recolhido por indigentes, certamente a troco de uns cêntimos para reciclagem, evita que o problema do lixo tenha maiores proporções.
Os chineses estão sedentos de consumo e de tudo o que venha de fora.
O nosso CR foi tema de todas as nossas conversas a propósito de whele ale you flom?.
Saída da alfândega. A foto está desfocada, mas notem o pontinho branco dos dentes no sorriso do E.
A viajada bagagem, via Frankfurt.
Yeeeehhhh!!
Ok, yeeehhhhhhhhhhhhhhhh!
Entrada na Cidade Proibida, deligentemente desprovida de concentrações de pessoas.
Monumental!
Sempre com uma garrafa de água.
Demorámos a perceber porque é que os locais levavam sempre chá: se vai estar quente mais vale que seja chá!
A minha cara afogueada e vermelha como a decoração.
Um turista ocidental, dois turistas ocidentais.
Mais uma infracção ao guia de saúde do viajante: fruta com casca, mas muito bem lavada com água da torneira.

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