kurstai e cavalos selvagens

Foram apenas alguns dias, eu diria mesmo escassos dias, em que partilhámos o trajecto e as experiências do nosso tour pela Mongólia com os nossos companheiros mas quando chegou o momento das nossas expedições tomarem diferentes rumos tivemos a estranha sensação de estarmos a despedir-nos de amigos de longa data. A empatia é um lugar estranho e, sim, perde-se muito na tradução. Carregámos as mochilas na carrinha, tirámos as fotos de grupo e fizemo-nos às centenas de quilómetros até ao Parque Nacional de Kurstai.
Saímos de manhã e estava programado chegarmos a tempo de ver os cavalos selvagens antes do pôr-do-sol. Esperávamos fazer todo o caminho pelos erráticos trilhos, um dia todo de pó e solavancos, mas a dada altura apanhámos uma auto-estrada. Provavelmente só umas dezenas de quilómetros, depois mais trilhos outra vez até ao Parque. O resort estava cheio. Fui eu que o chamei assim porque de facto era já uma instalação hoteleira com restaurante, bar, gift shop e sala de conferências. O nosso motorista arranjou-nos alojamento no gher de duas raparigas que trabalhavam lá. Ficámos fora do resort mas com acesso ao privilégio de umas instalações sanitárias. Lavatórios, sanitas, duche, água corrente, fria e quente!
Apanhámos boleia na carrinha de uma outra expedição até ao vale onde iríamos esperar que os cavalos selvagens viessem ao rio beber água. E, porque o mundo é realmente pequeno, na carrinha seguia um casal com dois miúdos que tinham sido alunos, na China, dos companheiros de viagem, a R. e o A., de quem nos tínhamos despedido essa manhã. Enquanto esperávamos pelos cavalos contaram-nos que tinham estado a viver na China mas como agora iam mudar para a Polónia aproveitaram para fazer o Trans-Mongólia. O mesmo percurso que nós mas com duas crianças pequenas e toda a bagagem das mudanças.
Regressámos ao gher onde íamos passar a noite para jantar. Mais uma vez fomos surpreendidos pelo repasto mas pelos vistos tivemos sorte porque um turista incauto veio queixar-se de tudo na viagem dele. Sorte ou sabíamos de antemão que não íamos para umas férias em pacote regime TI. Na manhã seguinte fizemos uma caminhada. Depois do almoço e de uma brincadeira com os miúdos fizemo-nos a caminho com destino a Ulan Bataar.


Infra-estrutura rodoviária.
A auto-estrada.

Paragem para almoço.
Kurstai.

Finalmente os cavalos selvagens. (Os três pontos ligeiramente à direita do centro da foto.)
Alojamento.

Caminhada pela manhã.
Salão de beleza.
Corte de cabelo, brushing e maquilhagem.
Bar do gher resort, que luxo!
Chegada a Ulan Bataar.

os caminhos da água - Ulaan Tsutgalan

A caminho do que seria o destino mais a Oeste da nossa tour, a grande cascata no encontro dos rios Ulan e Orkhon, seguimos a maior parte do tempo junto ao percurso deste último. Mais umas centenas de quilómetros de trilhos indecifráveis numa carripana amarela. Eu que costumo adormecer a andar de carro como uma criança de colo, nestes dias todos de viagem tive poucas oportunidades para isso. Mas não foi só pelos solavancos causados pelo piso irregular. Tivemos as cantigas do A., os abutres, o Stop! da K., as paragens para almoço no meio de nada, o aceno de estranhos, as monjas em peregrinação a pé, a total e completa ausência de referências, o fim do mundo tal como o reconhecemos. O início de um todo novo mundo!
Já vos tinha dito que a Mongólia é surpreendente?
Chegámos ao sítio onde ficaríamos alojados ao fim da tarde, mesmo a tempo de encontrar o pai da família a tomar as primeiras providências para o jantar. Hesitei em sair do carro mas engoli em seco as minhas frescuras de menina da cidade para constatar que matar uma ovelha com as suas próprias mãos para alimentar a família é muito mais honesto e nobre do que comprar alfaces no mercado biológico do Príncipe Real. O confronto com as leis da sobrevivência tornam-nos mais humildes. Empurrei isto tudo mais tarde com o chá salgado com leite de cabra que nos ofereceram quando nos convidaram a entrar no seu gher. A única alternativa era o aarag que é mais uma vez leite de cabra mas fermentado e ligeiramente alcoólico. Ainda hoje fico nauseada só de me lembrar do cheiro de leite de cabra. Fomos até à cascata para arejar.
Desta vez participámos na preparação do jantar mas só nos deixaram mexer depois de a massa estar preparada, só com farinha e água. Fizemos umas trouxinhas recheadas de carne e legumes, e só de legumes aqui para a enjoadinha, que são cozidas a vapor. Não consigo lembrar-me do nome em mongol mas são basicamente como os dumplings que se podem comer na China Town ou os gyoza japoneses.
Ainda tivemos tempo para conviver com os miúdos, as cabras e o cão pastor que me escoltou até atrás das pedras onde encontrei alternativa à casinha. Fomos também ao supermercado (!), um barracão a umas centenas de metros do acampamento e a centenas de quilómetros de qualquer outra edificação, aberto até às onze da noite onde tinham a Borgyo e mais duas marcas de cerveja chinesa e russa, bolachas Oreo e shampoo Elvive. No dia seguinte tínhamos um passeio a cavalo programado para as sete. Apesar de mais baixos que a maior parte das raças de cavalos, os cavalos mongóis são tão teimosos e fortes para fazerem o que querem se não sentirem convicção do cavaleiro e mandarem-no ao chão se lhes apetecer. Só tive problemas na parte da convicção mas foi o suficiente para não conseguir relaxar e desfrutar como devia. Mas correu tudo bem, sem incidentes que deixassem feridos com onze costelas e a clavícula partidas dois dias à espera de helicóptero. Já perceberam porque é que não deu para relaxar?
Vale do rio Orkhon.
Abutres.
Parámos para tirar fotografias aos abutres.
Os miúdos pararam e acenaram para as fotografias.
Caminhos paralelos.
Eu e o A., o nosso motorista-tenor.
Ulaan Tsutgalan - a grande cascata.
Toda gente ajudou na preparação do jantar mas só a O. é que sabia o que estava a fazer.
Manada de yaks conduzida por pastor de mota.
A pequena caixa à direita da mota é o WC.
O alojamento.
Passeio a cavalo pela manhã.
Chegámos inteiros!