Karakorum (ou Kharkhorin): Festival Nadaam e mosteiro budista.

Era só o segundo dia de expedição mas por esta altura já tínhamos perdido a noção de tempo. Arrumámos o relógio na mochila. Não há horas, só ritmos. (Trivia: Esqueçam a ideia do tempo como quarta dimensão, não sei se em alguma situação faz sentido, mas aqui não faz sentido nenhum.) A bem da verdade, perdemos também a noção de lugar tantas foram as experiências e novas referências. Depois de nos ajustarmos à ausência de estradas e de nos confrontarmos com estruturas básicas de saneamento, despertámos para um pequeno-almoço de french toasts. Não fosse o serviço de plástico encardido, acreditaríamos que tinham sido preparadas por um chef numa qualquer cozinha upscale. Todas as restantes refeições preparadas pela nossa guia foram, para além de óptimas, surpreendentes.
Surpreendente é a minha definição e descrição para tudo na Mongólia.
Voltámos a carregar as mochilas no carro, despedimo-nos agradecidos embora sem saber pronunciar as palavras adequadas e fizemo-nos ao caminho. Chegámos a Karakorum a meio da manhã para assistir ao Festival Nadaam. É o maior evento da Mongólia e consiste em competições de apenas três desportos: luta, tiro com arco e corrida de cavalos. Inicialmente tínhamos planeado assistir à grande cerimónia que fazem no estádio da capital, com direito a cortejo, danças e pára-quedistas, mas não nos arrependemos por ter escolhido a versão mais comedida pois pudemos assistir a tudo a poucos metros. Estivemos sentados junto à tenda onde os lutadores trocavam de roupa antes das lutas, junto aos arqueiros (porque junto aos alvos era mesmo perigoso mas havia sempre quem não se lembrasse disso) e junto à meta das corridas de cavalos. O ambiente era sem dúvida festivo, as senhoras vestiram os seus melhores vestidos e sapatos de salto. As miúdas também e não perdiam uma oportunidade de pousar para as fotografias. Eu tirei aqui a minha foto favorita de toda a viagem: a um mini lutador trajado a rigor, saído da sua primeira luta e com um sorriso desarmante. Pura alegria.
Ficámos a assistir só até os nossos motoristas já estarem fartos de esperar, teríamos sido os últimos a ir embora. Notámos então que estávamos cobertos de pó. Tínhamos pó entranhado na roupa, nas botas, no cabelo. Preparava-me para fazer o exercício mental e psicológico de aceitar o facto e conviver com ele uma semana. Mas havia balneário com chuveiro no nosso alojamento! Um luxo, pago à parte, e com pressão dificilmente suficiente para lavar um cabelo comprido mas de que não prescindi. Depois do jantar fomos caminhar um pouco pelos arredores e o E. ainda teve de ajudar a empurrar a carripana de um vendedor que não pegava. Ainda lhe comprámos um cadeado antigo com vários truques.
No dia seguinte visitámos o mosteiro onde assistimos a uma cerimónia e visitámos mais dois santuários. Sobro-nos bastante tempo para vaguear e escolher pequenos souvenirs: um pin e uma pulseira antigos.
Na manhã a seguir voltámos a fazer-nos à estrada, que é só uma maneira de dizer. Se até aqui já só podíamos contar com caminhos, daqui para frente não havia nada mais que uns trilhos que ora corriam paralelos e ora se cruzavam sem sentido nenhum. A dada altura o nosso motorista faz uma curva, pára, sai do carro, põe as mãos à cintura e diz no seu inglês incipiente:  Sorry… Lost… Aí, qual bagagem extraviada, qual quê. Agora sim a viagem podia correr mal. Mas não. Estava a brincar! Tinha parado só para esperar pelo outro carro que vinha connosco. Se ele já não tivesse cantado para nós um excerto de uma ária de Verdi teria levado a mal.
Santuário budista onde depositámos três pedras e demos três voltas, como nos ensinaram.
Os lutadores preparam-se para o torneio.
A dança da águia, antes e depois de cada luta.
Primeiras eliminatórias.
Vencedor da primeira corrida.
O mais jovem jockey, sendo que todos eram miúdos, teria uns cinco anos.
Almoço de Nadaam com os nossos companheiros de viagem, guias e motoristas.
 A minha foto favorita de toda a viagem.
Os monges também bebem Fanta, têm telemóveis e máquinas digitais.
Meias-finais.
Torneio de tiro com arco.
Torneio feminino de tiro com arco. Igual ao masculino mas de vestido e saltos altos!
 Mosteiro Erdene Zuu.
Cerimónia de oração budista.
Vista geral do mosteiro.
Mais um santuário budista. Sim, é o que parece.
A fechar o gher para a noite.
Chuva ao pôr do sol.
Compras no mercado de Karakorum.
Vista de Karakorum.

Monumento ao Império Mongol. A azul o tamanho actual da Mongólia e a verde no tempo de Chingis Khan. Impressionante.

Khognokhan, o deserto e a montanha

(Lembram-se da cena do Slumdog Millionaire?)
Quilometros e quilómetros de recta.
Fim da estrada, fim das tabuletas, fim do mundo tal como o conhecemos...
O primeiro acampamento.
Os painéis solares e parabólicas, a mesa de bilhar e a tabela de basket.
Gher com vista para o deserto.
O decano e o seu monóculo.
A K. e eu tomamos um chá enquanto esperamos que a chuva passe.
Sorrisos de nervoso.
A montanha ao pôr do sol.
Na despedida.

Partíamos às 7:00 mas às 5:00 já estava acordada. Os meus horários estavam completamente baralhados e, como se o jet lag não bastasse, sofro de “síndrome da criancinha a quem se promete alguma coisa”. Fui para o lobby do hostel à procura de chá e acabei por ficar à conversa com uma americana que também ia sair num tour. Californiana e reformada há apenas uns meses, depois de voltar de África onde tinha estado a trabalhar, decidiu que ainda tinha muito mundo para ver e fez-se a caminho. É impressionante a quantidade de gente que encontramos e que só de os conhecermos passamos de grandes aventureiros a meros totós.
À hora marcada a azáfama na entrada do hostel era enorme. Carregavam-se caixas de comida, bidões e garrafas de água. Conhecemos a nossa companheira de viagem, a K., japonesa. Estava também a preparar-se para sair outro carro com mais duas pessoas que acabaram por fazer o mesmo percurso que nós excepto no último dia. Apresentados ao nosso motorista e à nossa guia/cozinheira metemo-nos na carrinha e partimos. A carrinha não era lá muito nova mas compensava em carácter, era amarela e tinha uns bancos grandes, bons para dormir. E abria as janelas sozinha.
Pouco mais de uma centena de quilómetros depois de sairmos de UB, parámos numa estação de serviço para atestar o depósito e disseram-nos para aproveitar para ir ao quarto de banho. Foi a minha primeira experiência completamente fora da zona de conforto. Não há palavras, deixo-vos as fotos. E acabou a estrada. Depois também acabaram as tabuletas e até os caminhos de terra batida. Só uns trilhos e planaltos, planaltos e mais planaltos. Chegámos ao sítio do nosso primeiro acampamento ainda antes do almoço. Ficámos acomodados num gher para visitas de uma família. Muito limpo, simpático e confortável. O acampamento desta família tinha também gerador, painéis solares, parabólica, tabela de basket e mesa de bilhar ao ar livre. Apercebemo-nos depois que estas facilities afinal eram bastante comuns.
Depois do almoço tivemos de esperar que a chuva fosse embora para irmos dar um passeio de camelo pelo deserto. Aguardámos que o decano nos dissesse que era seguro. Observava as nuvens e a chuva com um pequeno monóculo e deixou-me também espreitar. De facto, com toda aquela amplitude é possível ver perfeitamente as colunas de chuva. Aparelharam-nos os camelos e lá fomos.
Ali existe apenas uma pequena mancha de deserto, a que chamam Semi-Gobi e que será apenas uma amostra do grande Gobi. Mas está tudo lá, a areia fina, as dunas e os esqueletos de animais completamente secos e brancos. E não há propriamente uma zona de transição entre a estepe e o deserto. De repente acaba a terra e as ervas e começa a areia. No regresso ao acampamento o condutor dos camelos olhou para nós, sorriu, achou que precisávamos de alguma animação depois do silêncio das dunas e fez os camelos correrem. Para quem não tem ideia, digo-vos que os camelos são bem mais altos que os cavalos e têm bastante mais vontade própria. Quando desmontei para além de ter as pernas a tremer (sim, de medo!) doíam-me os joelhos e tinha uma grande pisadura na canela direita. Nada que o jantar não fizesse esquecer. Prontamente nos puseram a comida à frente e ainda tivemos tempo de ir fazer uma caminhada a um monte próximo antes do pôr do sol. Por esta altura a R. e o A. já tinham sido acomodados também no nosso gher e já éramos travel budies.
Na manhã seguinte fizemo-nos novamente à estrada.

no comboio e chegada a Ulanbataar

A viagem entre Beijing e Ulanbataar leva cerca de 30 horas. Quando entrámos no comboio e encontrámos os nossos lugares ficaram-nos com os bilhetes. O nosso companheiro de compartimento, um alemão simpático, conseguiu arrancar uma gargalhada ao hospedeiro de bordo que ficou convencido que ele tinha comprado dois bilhetes só para ele. Foi inútil tentar explicar que o amigo dele não pôde apanhar o comboio porque não conseguiu o visto a tempo. As únicas palavras que sabem em inglês são ticket e passport.
Chegámos à última estação antes de entrar na Mongólia pelas 20:30 mas esta paragem é extremamente longa porque para além dos trâmites de fronteira é preciso trocar as rodas das carruagens. Tínhamos pensado aproveitar as três horas e meia para sair do comboio e esticar as pernas embora, sem o passaporte que fica com os agentes durante a paragem, não se possa sair da estação. Mas distraímo-nos e quando demos por nós a nossa carruagem já estava a ser içada. Restou-nos aguardar. Apesar da agitação da revista das cabines, da verificação das identidades e da sinfonia de metal a bater em metal adormeci ainda antes que viessem devolver os passaportes.
De manhã resolvemos ir comer alguma coisa ao restaurante para gastar os últimos yuan. Descobrimos que a carruagem-restaurante chinesa, de um industrial quase hospitalar, tinha sido substituída por outra, bem mais acolhedora, mongol. Pedimos uma sopa tradicional mongol (que é basicamente carne cozida em água), um borsch e ovos mexidos com cebola. Estava tudo muito bom e foi barato.
Na aproximação a Ulanbataar passámos pelas zonas de expansão da cidade que são maioritariamente constituídas por ghers. A cidade é enorme e já tem mais de um milhão de habitantes, que é quase metade da população do país.
Na estação aguardava-nos o nosso anfitrião. Veio apanhar-nos e a, pelo menos, mais uma dezena de passageiros. Distribuiu-nos por algumas carripanas soviéticas e levou-nos para o hostel. Depois de alojados tomámos banho, lavámos alguma roupa e combinámos a nossa excursão de seis dias. Saímos para dar uma volta de reconhecimento pelo centro da cidade.
É uma loucura! Começando pelos passeios em terra e acabando no penteado que vimos acabado de sair do cabeleireiro. É tudo simplesmente inesperado mas com uma tremenda carga de energia. Comemos uma sandwich num bar de um canadiano que pelo que percebemos já tinha organizado uma equipa de hóquei no gelo e preparava um concerto de rock para os próximos dias. A comunidade de expats em Ulanbataar tem sem dúvida um papel importante na vida da cidade. Grande parte dos restaurantes, cafés, pubs, padarias e supermercados são de expats e/ou vendem produtos dos seus países de origem. Mas, pelo que nos pudemos aperceber, há também um grande envolvimento no desenvolvimento quer das estruturas físicas quer das humanas. Existem diversas acções de voluntariado a trabalhar nas zonas de expansão da cidade que dão apoio na construção de infra-estruturas básicas, como o saneamento e viemos a conhecer também um rapaz sueco que participou num programa de desporto com crianças. Disse que a Mongólia vai ser a revelação do mundial de futebol de 2020. E eu não me admiraria. Para mim Ulanbataar é the next big thing. Não sei como nem quando, mas que tem um enorme potencial, tem.
Toda esta energia no ar deixou-nos K.O. Tivemos de ir fazer uma sesta ao fim da tarde e só tivemos forças para nos arrastar até ao restaurante mais perto para jantar. Catei um monte de bacon da minha pizza vegetariana e fomos directos dormir outra vez porque saíamos para a nossa expedição no dia seguinte às 7. Fizemos figas para que a carripana não fosse demasiado velha.
Vista de Ulanbataar (foto retirada da entrada Ulan Bator da Wikipédia)

O passeio em frente ao hostel.
Na Peace Avenue, à saída do cabeleireiro.